Depressão



       Encabeçando a relação de males em ascensão na contemporaneidade, a depressão é uma das notórias patologias cujo aumento da incidência acompanha a disponibilidade e evolução dos medicamentos que a tratam. 

Bierstadt Albert - Sunset in the Yosemite Valley
       Diante de uma influência multifatorial tão inegável quanto intrincada entre configuração genética, pressões do ambiente, e estado psicológico, o desenvolvimento de novos fármacos preponderantemente aposta no controle do estado de espírito do paciente pela manipulação das concentrações de três neurotransmissores: a serotonina (ligada a compulsões e obsessões), 
a norepinefrina (ansiedade e atenção) e a dopamina (atenção, motivação, prazer). O efeito psicotrópico de tal artifício costuma induzir uma sensação tão agradável de distanciamento dos tormentos mundanos, que a procura crescente por tais drogas é compreensível e escusável. 

       Mas para nosso desencanto, as consequências psicológicas relacionadas a cada neurotransmissor não se restringem ao aumento ou diminuição de cada um desses - não, as experiências prazerosas não são um mero pico de dopamina, por exemplo - e o que factualmente temos são modelos que apontam um grande mecanismo ainda compreendido de forma incipiente, no qual essas substâncias desempenham seu papel na modulação do humor. O mais básico dos desafios ainda não vencidos é entender o que leva à concentração anômala desses mensageiros sinápticos, ou seja, o que faz com que sua distribuição altere-se diante de notícias tristes? Nesse limbo começam os casos de divórcio com os anti-depressivos.

       Os pacientes que buscam psicanálise são em grande parte uma mostra de um grupo que não teve um relacionamento feliz com as drogas psiquiátricas, seja porque não lhes agrada a sensação de dependência e a artificialidade de seus sentimentos, seja porque os pensamentos depressivos seguem vivos mesmo após a tentativa de domá-los quimicamente, e facilmente se identificam com os grande parte dos sintomas esperados pelo manual: 

 

  • Desânimo
  • Diminuição de interesses e prazer
  • Variações de peso e apetite
  • Transtornos de sono
  • Agitação ou lentidão motora e psíquica
  • Fadiga / falta de energia
  • Sentimento de desvalor/culpa
  • Baixa concentração
  • Pensamentos suicidas

 

       Se para a prescrição medicamentosa, considera-se fundamental ater-se à lista de sintomas conforme versa o guia, para um tratamento psicanalítico eles têm muito pouca informação a contribuir.  Isso porque, na psicanálise, sabe-se que a depressão é um estado agravado de defesa do Eu. Todos mecanismos psíquicos confluem para retirar o interesse que poderia ser destinado às coisas do mundo exterior, numa tentativa de preservar a integridade individual. Esse processo de introversão faz com que o depressivo tenha tanta atenção sobre si mesmo, que passa a notar com agudez todos seus defeitos e limitações. A perspicácia da autocrítica exige profundas reflexões, distinguindo os depressivos como pessoas de inteligência aguçada, o que levou S. Freud a questionar por que seria preciso alguém estar doente para ser capaz de emitir um juízo tão sóbrio sobre a mediocridade humana no mundo. Fazendo uso de tal economia depreciativa, é compreensível que seja muito custoso para o depressivo desempenhar suas obrigações ou desfrutar de um envolvimento amoroso.

       Encontrar-se com o verdadeiro objeto das críticas e com a efetiva falta que inconscientemente sustentam as justificativas de tão desmedida depreciação acaba sendo um caminho necessário de ser trilhado para a maioria dos depressivos que venham a se colocar no lugar de analisantes.


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